terça-feira, 31 de março de 2009

Fado Português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

José Régio (musicado por Alain Oulman, cantado por Amália)

(Mafalda Villani)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Foram cardos, Foram Prosas

Há luz sem lume aceso
Mas sem amar o calor
À flor de um fogo preso
À luz do meu claro amor

Há madressilvas aos pés
E águas lavam o rosto
Dedos que tens em respeito
Oh, meu amante deposto

Não foram poemas nem rosas
Que colheste no meu colo
Foram cardos, foram prosas
Arrancadas do meu solo

Porque tu ainda me queres
O amor que ainda fazemos
Dá-me um sinal se puderes
Sejamos amantes supremos

Será sempre a subir
Ao cimo de ti
Só para te sentir

Será no alto de mim
Que um corpo só
Exalta o seu fim...

letra: Miguel Esteves Cardoso, música: Ricardo Camacho, intérprete: Manuela Moura Guedes (1981) e os "Ritual Tejo" (1992)

(Ana Cortinhas)

domingo, 22 de março de 2009

Sorriso Audível das Folhas


Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

(Ana Paula Madeira)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Recomeça...

Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,

Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga
(Filipa)

quarta-feira, 11 de março de 2009

Confiança

O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...

E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...

Miguel Torga

(Mafalda Villani)