quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte

A planície é um brasido e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a benção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!Árvores!

Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Papoilas

Até ao fim do mundo, haverá coisas fascinantes para viver e fazer, coisas que redimirão o instinto, aqui e além, como manchas rubras de papoilas gritando na monotonia amarela de um trigal..."

Álvaro Guerra, Razões do Coração


(Luís Neves, com agradecimento à Tixa)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e o outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indif'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

Ricardo Reis

(Ana Cortinhas)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Nem ver despontar rosas na alvorada

Nem ver despontar rosas na alvorada,
nem lírios um regato a debruar,
nem ramo de ave ou alaúde a soar,
nem gema no seu ouro bem cravada,

nem gargantinha a zéfiros passada,
nem o ranger da nave sobre o mar,
nem ninfa em águas ledas a bailar,
nem ver a tudo a primavera dada,

nem campo armado e em lanças eriçado,
nem antro em verde musgo atapetado,
nem cimos da floresta em suas tranças,

nem rocha onde o silêncio santo nasce,
me alegram mais que o prado onde pasce
este meu esperar sem esperanças.

Vasco Graça Moura in "Alguns Amores de Ronsard"

(Ana Cortinhas)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Menina

Menina de olhar sereno
raiando pela manhã
no seio duro e pequeno
num coletinho de lã.

Menina cheirando a feno
casado com hortelã.
Menina que no caminho
vais pisando formusura
levas nos olhos um ninho
todo em penas de ternura.
Menina de andar de linho
com um ribeiro à cintura.

Menina da saia aos folhos
quem te vê fica lavado
água da sede dos olhos
pão que não foi amassado.

Menina do riso aos molhos
minha seiva de pinheiro
menina da saia aos folhos
alfazema sem canteiro.

Menina de corpo inteiro
com tranças de madrugada
que se levanta primeiro
do que a terra alvoraçada.

Menina de fato novo
ave-maria da terra
rosa brava rosa povo
brisa do alto da serra.

José Carlos Ary dos Santos, musicado por Nuno Nazareth Fernandes e cantado por Tonicha, em 1971 no Eurofestival

(Filipa)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Folhas novas

Fins de fevereiro. Saí para te esperar. Vi folhas novas num arbusto da alameda – isso mesmo, aquele que dá os copos, que à noite cheiram alto – e senti-me rejuvenescido. Voltei para casa e até me esqueci de ver o correio.

Ruy Belo

(Luís Neves)

Epístola para um caramanchão coberto por madressilva

Nesse caramanchão que a madressilva cobriu
sempre estavam mais sombras do que corpos ou coisas.
A sombra de alguém que se sentasse junto aos vasos
estendia a mão nítida para uma flor de sombra.
Dançasse uma criança em volta do pequeno lago
no centro, e havia uma espiral de sombras claras.
Solitário, na própria sombra, o gato era um corpo
penando a dualidade de ser e de não ser.
Até a pá do jardineiro, linha de sombra oblíqua,
por ser de sombra se quebrava em ângulo.
Não porque todos não estivéssemos em vida ali
mas porque a madressilva, só ela, se embebia de luz.

Fiama Hasse Pais Brandão

(Luís Neves)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

procura-se Jacarandá em flor


Quem encontrar algum Jacarandá em flor, comunique tal desvario.




( Fotografia de Pedro Mil-Homens)

UNIVERSITY PARKS

Do céu pende a folhagem.
A miúda angústia a que
de novo apoio os cotovelos
adquire aqui tonalidades de ouro.

Passaram cães que pareciam cabras.
Por entre os vidros
inquietos dos meus óculos, o verde
das folhas tinge o coração.

Nas ervas
que crescem do meu espírito
pequenos animais escondem o focinho.

O mar vem agarrado à luz. As árvores
desafiaram o sol como se nele
tivessem as raízes enterradas

Luís Miguel Nava, Poesia Completa – 1979-1994

( Pedro Mil-Homens)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A propósito da 'Erva Daninha'...

"Só eu sei,
Só eu sei que sou terra,
Terra agrestre por lavrar,
Silvestre monte maninho,
Amora, fruto sem tratar.

Só eu sei que sou pedra,
Sou pedra dura de talhar,
Sou pedrada em aro,
Calhaus em forma de encastrar.

A cotação é o quiserem dar,
Não tenho jeito pra regatear,
Também não sei se a quero aumentar.

Porque eu não sei se me quero polir,
Também não sei se me quero limar,
Também não sei se quero fugir deste animal
Que ando a procurar.

Só eu sei que sou erva,
Erva daninha alastrar,
Joio trovisco, ameaça
Das ervas doces de enjoar.

Só eu sei que sou barro,
Dificil de se moldar,
Argila com cimento e cérebro,
Nem qualquer sabe trabalhar.

Em moldes feitos não me sei criar,
Em formas feitas podem-se quebrar,
Também não sei se me quero formar

Porque eu não se me quero polir,
Também não sei se me quero limar,
Também não se quero fugir deste animal
Que ando a procurar."

António Variações

(Há uns tempos, quando surgiu a ideia de dar um nome a este grupo, surgiu o nome de 'Erva Daninha'. Esta letra veio de imediato à minha cabeça...este foi um dos poemas que não apresentei na tertúlia, há instantes...um bom ano para todos!!!!!)

(João M. Lourenço)

Alberto Caeiro


(fotografia - Pedro-Mil-Homens)

Gozo os Campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas ideias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos –
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma coisa dos ruídos indistintos das coisas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas
órbitas,
E só um resto de vida ouve.

ALBERTO CAEIRO – Poemas Inconjuntivos

( Contributo de Pedro Mil-Homens)