Quebra a harmonia inútil dos teus sonhos
E vibra no calor da natureza;
No rubro colorido dos medronhos,
Ou no cantar das águas da represa!
Fecunda a seiva quente das raízes;
Aloira o pão adulto e já vergado;
Entorna luz em fúlgidos matizes
No pôr do Sol distante e torturado!
Doira o cântico alegre dos ceifeiros
E sê o golpe rude das enxadas;
Canta no mar de encantados feiticeiros
As espumas revoltas e esgarçadas!
Sê veio de água no calor da estrada
E frescura nas tardes inclementes;
E sê a liberdade encarcerada
Do perfume, na carne das sementes!
E no diamante límpido do orvalho
Ou na visão extática das fontes,
Sê grande e forte, tronco de carvalho
A dominar paisagens e horizontes.
Abrindo as asas, sobe, devagar,
Num voo sem igual, quente e profundo,
Mais para além das convulsões do mar,
Ou das planícies côncavas do mundo.
E sê também a noite silenciosa
Depois as ametistas do poente;
E dá mais cor às pétalas da rosa,
Quando falam à lua, docemente.
Até ao pôr do Sol do novo dia,
Sem renúncia, nem mágoa nem chorar,
Entorna o mel doirado da alegria
Na milagrosa graça do pomar.
E na volúpia duma hora incalma,
Tendo no sangue lava a crepitar,
Faz nascer de ti mesmo uma outra alma,
Que uma alma só é pouco p'ra cantar!
Ary dos Santos
(Ana Cortinhas)
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário