sábado, 24 de julho de 2010

A Magnólia

A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária,e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.

Luíza Neto Jorge

(A ver se me redimo... Mafalda)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Cultura

O girino é o peixinho do sapo
O silêncio é o começo do papo
O bigode é a antena do gato
O cavalo é pasto do carrapato

O cabrito é o cordeiro da cabra
O pecoço é a barriga da cobra
O leitão é um porquinho mais novo
A galinha é um pouquinho do ovo

O desejo é o começo do corpo
Engordar é a tarefa do porco
A cegonha é a girafa do ganso
O cachorro é um lobo mais manso

O escuro é a metade da zebra
As raízes são as veias da seiva
O camelo é um cavalo sem sede
Tartaruga por dentro é parede

O potrinho é o bezerro da égua
A batalha é o começo da trégua
Papagaio é um dragão miniatura
Bactérias num meio é cultura

Arnaldo Antunes
(Filipa), com saudações para a "nova" erva daninha que se junta à tertúlia de dia 11 de Janeiro.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Federico García Lorca
(Filipa)

Não resisti, apesar de não ser nacional.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

Maria Teresa Horta
(Filipa)

domingo, 10 de maio de 2009

Cantigas de Maio

Eu fui ver a minha amada

Lá p'rós baixos dum jardim

Dei-lhe uma rosa encarnada

Para se lembrar de mim


Eu fui ver o meu benzinho

Lá p'rós lados dum passal

Dei-lhe o meu lenço de linho

Que é do mais fino bragal


Eu fui ver uma donzela

Numa barquinha a dormir

Dei-lhe uma colcha de seda

Para nela se cobrir


Eu fui ver uma solteira

Numa salinha a fiar

Dei-lhe uma rosa vermelha

Para de mim se escantar


Eu fui ver a minha amada

Lá nos campos eu fui ver

Dei-lhe uma rosa encarnada

Para de mim se prender


Verdes prados, verdes campos

Onde está minha paixão

As andorinhas não param

Umas voltam outras não


Minha mãe quando eu morrer

Ai chore por quem muito amargou

Para então dizer ao mundo

Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou


Zeca Afonso


(MafaldaVillani)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Vi hoje o meu primeiro Jacarandá em flor desta Primavera...!

Flor do jacarandá
Cai, leve no passeio
Céu d´outro mar sonhado
Chão de anilado estio.
A florir, lá no mês de sonho tapete de voar
Nas luas de zefiro
Estrada de santiago
Manda a...
chuva de estrelinha, azul pavão
Brilha na noite
Vou de namorada, mão na mão
Perdi a escada para o céu
Dos pardalinhos
Na ilusão da boa fada
Toco na varinha de condão
Durmo na rua onde a...

Vitorino

(Mafalda Villani)

sábado, 25 de abril de 2009

As Portas Que Abril Abriu

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(...)
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
(...)
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
(...)
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
(...)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
(...)
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(...)
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
(...)
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
(...)
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Lisboa, Julho-Agosto de 1975
Ary dos Santos
(Ana Cotinhas)