quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Jacarandá

Extravasou do largo o jacarandá
Com as suas flores miúdas
ocupa agora toda a manhã

Jorge de Sousa Braga


(Luís Neves)

Ode aos Plátanos

Queda de folhas com que a aragem soa
a luz do sol em sombras sobre os vossos troncos
de esverdinhado ouro secular
- ó plátanos dourados e nodosos! -
que sempre o mesmo Outono vos consola,
dormência igual, Inverno já tão próximo,
carícia vegetal de esquecer tudo,
folhas tombando, esguios ramos hirtos,
tão doloroso e fácil contemplar-vos!,
tão lentidão de sombras mais antigas
que a dança cadenciada de escutar-vos.
Troncos, rochedos, grenha de braçadas,
chiar de sonhos, solidão musgosa,
e as folhas caem por entre a limpidez
de um ar sonoro levemente azul.
Ligeiras, secas, já de sempre ouvidas,
as folhas correm pelo saibro húmido.
Nas noites frias, rígidas, metálicas,
de sono lúcido e profundo além da névoa,
com vossos ramos nus tão numerosos,
que nevoeiros calmos esfarrapareis!
- ó plátanos dourados e nodosos!...

Jorge de Sena

(Luís Neves)

Palmeiras-das-canárias

Chegaram tarde à minha vida
as palmeiras. Em Marraquexe vi uma
que Ulisses teria comparado
a Nausica, mas só
no jardim do Passeio Alegre
comecei a amá-las. São altas
como os marinheiros de Homero.
Diante do mar desafiam os ventos
vindos do norte e do sul,
do leste e do oeste,
para os dobrar pela cintura.
Invulneráveis - assim nuas.

Eugénio de Andrade


(Luís Neves)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Rosas de Inverno

Corolas, que floristes
Ao sol do inverno, avaro,
Tão glácido e tão claro
Por estas manhãs tristes.

Gloriosa floração,
Surdida, por engano,
No agonizar do ano,
Tão fora da estação!

Sorrindo-vos amigas,
Nos ásperos caminhos,
Aos olhos dos velhinhos,
Às almas das mendigas!

Desse Natal de inválidos
Transmito-vos a benção,
Com que vos recompensam
Os seus sorrisos pálidos.

Camilo Pessanha

Mafalda Martins




quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Árvores

São plátanos palmeiras castanheiros
jacarandás amendoeiras e até as
oliveiras que
quando a noite cai na infância formam uma
cortina escura na estrada frente à casa
árvores apagando os dias que a memória
avidamente esconde

no corpo do seu gémeo Penetra inultimente
na terra essa raiz do branco plátano
adolescente
e o campo do tempo onde as palmeiras eram
pilares do corpo nu símbolo de
si mesmo, à luz
do dia fixo, já se estende

na húmida manhã dos castanheiros
Esquecimento que tudo enfim possuis
e geras
a ofuscante luz igual à da
memória, do tempo como ela
filho, construtor da ausência,
em vão te invoco Tu

que mudas a roxa amendoeira
em brancas flores do jacarandá
entrega a minha vida às árvores
que foram na manhã e no crepúsculo
no meio-dia e na noite, palavra
clara que traz o dia em si fechado,
o campo do passado

Gastão Cruz (Crateras, 2000)


(Luís Neves)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
--- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca


(Ana Paula Madeira)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Rústica

Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho...
- Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à "terra da verdade"...

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"


(Ana Paula Madeira)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O castanheiro:
_"trezentos anos a crescer, 300 em seu ser e outros trezentos em morrer"

Aquilino Ribeiro

(Filipa)

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.

Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.

Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.

Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!

As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!

Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!


A Flor - Almada Negreiros

(Filipa)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...

Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,

Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
( Lá vem o vento suão!,

Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)

Em Portalegre, dizia,

Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela
Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!

Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e Amarelos,
Salpicados de Oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...

Ora agora,
?Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?

Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
?Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?

Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
Á qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...

Como é que o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere ... e consola
Com o próprio mal que faz?

Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre; cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do tal suão
Já varias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...

Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a trás à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acàciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me, Deixando só, nulo, vácuos, A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casa que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!

E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.

José Régio

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Futuros guias, talvez...entusiastas, com certeza.

Foi na água que tudo começou...
Fernanda Botelho

Criação



Caminhos, labirintos, encruzilhadas, formas, texturas, sombras, túneis de luz...

Tanta estratégia com um único fim: reproduzir e sobreviver.

Desenganem-se os românticos que as flores não foram criadas para seus encantos.

Fernanda Botelho



Fotografia, aguarela, a mão divina do criador ou a prova de que a fotossíntese nem sempre acontece nas folhas?
Fernanda Botelho

Tempo da Lenda das Amendoeiras II

A magnífica versão de Ary dos Santos
(apenas o início para espicaçar a curiosidade)

Era uma vez um país
na ponta do fim do mundo
onde o mar não tinha eco
onde o céu não tinha fundo.
Onde longe longe longe
mais longe que a ventania
mais longe que a flor da sombra
ou a flor da maresia
em sete lagos de pedra
sete castelos de nuvens
em sete cristais de gelo
uma princesa vivia.

Era uma vez um país
na ponta do fim do mundo
onde o mar não tinha eco
onde o céu não tinha fundo.
Onde longe longe longe
mais longe que a luz do dia
com sua coroa de abetos
e seus anéis de silêncio
seu tear de nostalgia
uma princesa tecia
o seu tapete de espanto
no fio da fantasia
no seu casulo de encanto.


(posted por Ivo Meco)

Flores caídas

Num regaço fresco de Musgo, como pérolas cansadas, em silêncio, elas respiram ainda o verde que as acolhe e adormecem ao som da noite que sorrateira vai entrando no jardim.

Fernanda Botelho


domingo, 26 de outubro de 2008

Mais uma planta.



(Ana Paula Madeira)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A lenda das amendoeiras em flor


Há muitos, muitos séculos viveram numa região do Algarve um príncipe cristão e uma princesa nórdica. Durante muitos anos a felicidade reinou entre eles. Um dia, porém, o príncipe notou que a princesa entristecia de dia para dia, ao ponto de por vezes não se erguer do leito.
Sem saber que fazer, o príncipe decidiu reunir o seu conselho de Estado. Nele participaram médicos célebres, mágicos de nomeada, feiticeiros e outros homens sábios. Deliberaram até altas horas, mas nenhum conseguiu encontrar a causa de tão grande pesar. O príncipe mandou vir actores, trovadores e bailarinos para distraírem a princesa, mas durante os espectáculos a mesma tristeza descia sobre ela. O príncipe, receando que a sua infelicidade fosse apenas um sinal de que ela já não o amava, nem a ia visitar regularmente. Até que um dia, cheio de coragem, ele perguntou:
-Meu amor, já não me amas?
-Amo-te tanto como no dia em que casei contigo. Sinto-me rainha do teu povo, sou amiga dos teus amigos e admiro-os, mas as saudades da neve são imensas. No meu país, a neve cai todos os anos. Aqui, o sol torna os campos verdes ou doirados, mas nunca os vejo brancos. Só tenho saudades sem fim da neve do meu país. O Inverno aproxima-se e sei que a neve não virá.
Ela ainda o amava ! ... As dúvidas transformaram-se em felicidade. Depois de muito meditar, encontrou uma solução. Mandou plantar pelos seus criados milhares de amendoeiras á volta do palácio.
A Primavera chegou. As flores das amendoeiras, pouco a pouco, começaram a desabrochar. Em breve, os campos cobriram-se de flores brancas.
Um dia em que a princesa se sentia muito abatida, o príncipe entrou nos seus aposentos e beijando-a, envolvendo-a em seus braços, murmurou:
-Querida, por mim faz um esforço e vem ver o sol que acaba de nascer. Tudo quanto a nossa vista abrange parece ouro acabado de ser lavado. Para não o desgostar, ela levantou se e dirigiu-se para a janela. Tudo estava coberto, não com um lençol de neve mas sim com um de pequeninas flores brancas. Pelo rosto da princesa lágrimas rolaram. O seu bem amado por ela transformara a terra castanha em terra branca de neve.
Segundo a lenda, é por esta razão que no Algarve, ainda hoje, há tantas amendoeiras...

Claire Baudoin

Longos poentes

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

Sophia de Mello Breyner Andresen


(Luís Neves)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Da Mais Alta Janela da Minha Casa


Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi
sua.
Passo e fico, como o Universo.

Fernando Pessoa, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XLVIII"

(Ana Paula Madeira)

Começam de enxergar subitamente

Começam de enxergar subitamente
Por entre verdes ramos de várias cores,
Cores de quem avista, julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores.
Mas de lã fina e seda diferente
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas
Fazendo-se por arte mais formosas.

Luiz Vaz de Camões


(Luís Neves)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ambição

Quebra a harmonia inútil dos teus sonhos
E vibra no calor da natureza;
No rubro colorido dos medronhos,
Ou no cantar das águas da represa!

Fecunda a seiva quente das raízes;
Aloira o pão adulto e já vergado;
Entorna luz em fúlgidos matizes
No pôr do Sol distante e torturado!

Doira o cântico alegre dos ceifeiros
E sê o golpe rude das enxadas;
Canta no mar de encantados feiticeiros
As espumas revoltas e esgarçadas!

Sê veio de água no calor da estrada
E frescura nas tardes inclementes;
E sê a liberdade encarcerada
Do perfume, na carne das sementes!

E no diamante límpido do orvalho
Ou na visão extática das fontes,
Sê grande e forte, tronco de carvalho
A dominar paisagens e horizontes.

Abrindo as asas, sobe, devagar,
Num voo sem igual, quente e profundo,
Mais para além das convulsões do mar,
Ou das planícies côncavas do mundo.

E sê também a noite silenciosa
Depois as ametistas do poente;
E dá mais cor às pétalas da rosa,
Quando falam à lua, docemente.

Até ao pôr do Sol do novo dia,
Sem renúncia, nem mágoa nem chorar,
Entorna o mel doirado da alegria
Na milagrosa graça do pomar.

E na volúpia duma hora incalma,
Tendo no sangue lava a crepitar,

Faz nascer de ti mesmo uma outra alma,
Que uma alma só é pouco p'ra cantar!

Ary dos Santos

(Ana Cortinhas)

domingo, 19 de outubro de 2008






Numa visita ao Jardim Botânico da Ajuda, observei esta planta lindíssima e surpreendente, espero que gostem.
(Ana Paula Madeira)

sábado, 18 de outubro de 2008

Junto um poema.




Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!
Alberto Caeiro


(Ana Paula Madeira)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Cio da terra

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel,
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra a propícia estação,
e fecundar o chão

Cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque)


(Luís Neves)

O meu olhar é nítido como um girassol

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...


Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro

(Mafalda Martins)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Verdes são os Campos (um clássico)


Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.


Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.


Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.


Luís de Camões



(Susana - a foto é minha :))

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sou uma Echinacea!


Peço desculpa pela ousadia de fugir à poesia...

Achei que seria engraçado partilhar.

http://www.thisgardenisillegal.com/flower-quiz

Carmo Rolo

Lisboa

Alguém diz com lentidão:
“Lisboa, sabes…”
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio

Eugénio de Andrade

Sem nome de flor, sem a palavra folha, ausente do verde e dos frutos, mas repleto da cidade que nos reuniu para olharmos o Jardim Botânico e as plantas.
(Filipa)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Uma Flor de Harmonia no Plenário (Natália Correia)

Dá-me um cravo Vitorino:
Comove-me o galardão.
Mas meu horto é feminino:
Rosa lhe darei então.

Porque se o cravo é viril
quer ele concubinato.
Sendo a rosa feminil,
temos o androginato.

Que nessa grande harmonia,
É que há revoluçao:
feita a vida poesia
e a luta feita união.

Mais ou menos socialismo?
Eu tomo essa embarcação.
Se a diferença está no ismo,
Está no cravo a comunhão.


(posted por Ivo Meco)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Alguém lhe quer dar título?

Algures no meio do jantar, no dia 29 de Setembro, da minha imaginação surgiu isto:

Ouve o canto das plantas...
Ouve o canto dos jardins...

Olha os girassóis, irmãos do sol
Olha as boas-noites, irmãs da lua

Rosa,rosa, que vaidade a tua?
Tantas cores, belas flores...

Ouve o canto de água e vida
Ouve a voz que não se quer perdida...
No meio de um cinzento, pardacento

Essa voz vos dirá:
"Sou o verde, não tenho o valor do marfim
Mas tenho o berço da vida em mim
Sou tua mãe, a Terra
Olha por mim, não me faças guerra."




Como não consigo dar-lhe titulo, se alguém tiver uma ideia, avançe e d~e-lhe título.

(Susana)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A Missão das Folhas

Naquela tarde quebrada
contra o meu ouvido atento
eu soube que a missão das folhas
é definir o vento


Ruy Belo
In: Aquele Grande Rio Eufrates, 1961

25 de Setembro de 2008, ía ser a última aula, a única inteiramente teórica, do curso de guias do Jardim Botânico 2008. Nos minutos que antecediam a aula, os primeiros alunos a chegar ajudavam na disposição da sala. Por entre o bulício das saudações o Luís sussurrou «Trouxe um presentinho para si». Na véspera, ao fim de uma sessão de poesia na Casa Fernando Pessoa, tirara de um molho de rolinhos (que cada visitante era convidado a levar à saída) um que continha a quadra de Ruy Belo.

(Alexandra Escudeiro)