sexta-feira, 26 de junho de 2009

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Federico García Lorca
(Filipa)

Não resisti, apesar de não ser nacional.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

Maria Teresa Horta
(Filipa)

domingo, 10 de maio de 2009

Cantigas de Maio

Eu fui ver a minha amada

Lá p'rós baixos dum jardim

Dei-lhe uma rosa encarnada

Para se lembrar de mim


Eu fui ver o meu benzinho

Lá p'rós lados dum passal

Dei-lhe o meu lenço de linho

Que é do mais fino bragal


Eu fui ver uma donzela

Numa barquinha a dormir

Dei-lhe uma colcha de seda

Para nela se cobrir


Eu fui ver uma solteira

Numa salinha a fiar

Dei-lhe uma rosa vermelha

Para de mim se escantar


Eu fui ver a minha amada

Lá nos campos eu fui ver

Dei-lhe uma rosa encarnada

Para de mim se prender


Verdes prados, verdes campos

Onde está minha paixão

As andorinhas não param

Umas voltam outras não


Minha mãe quando eu morrer

Ai chore por quem muito amargou

Para então dizer ao mundo

Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou


Zeca Afonso


(MafaldaVillani)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Vi hoje o meu primeiro Jacarandá em flor desta Primavera...!

Flor do jacarandá
Cai, leve no passeio
Céu d´outro mar sonhado
Chão de anilado estio.
A florir, lá no mês de sonho tapete de voar
Nas luas de zefiro
Estrada de santiago
Manda a...
chuva de estrelinha, azul pavão
Brilha na noite
Vou de namorada, mão na mão
Perdi a escada para o céu
Dos pardalinhos
Na ilusão da boa fada
Toco na varinha de condão
Durmo na rua onde a...

Vitorino

(Mafalda Villani)

sábado, 25 de abril de 2009

As Portas Que Abril Abriu

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(...)
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
(...)
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
(...)
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
(...)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
(...)
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(...)
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
(...)
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
(...)
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Lisboa, Julho-Agosto de 1975
Ary dos Santos
(Ana Cotinhas)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Canção de Leonoreta

Borboleta, borboleta,
flor do ar,
onde vais, que me não levas?
Onde vais tu, Leonoreta?

Vou ao rio, e tenho pressa,
não te ponhas no caminho.
Vou ver o jacarandá,
que já deve estar florido.

Leonoreta, Leonoreta,
que me não levas contigo.

Eugénio de Andrade

(Ana Cortinhas)

domingo, 12 de abril de 2009

A flor seca

Vai, flor gentil, vai, prenda suspirada,
doce mimo d´amor terno e fagueiro,
vai, que ele mesmo grato e prazenteiro,
ele te há-de levar à minha amada.

Cumpre o que ela te impôs, que é lei sagrada:
se mudada te achar, sem cor, sem cheiro,
se o viço, a gala do verdor primeiro
em tuas pálidas folhas vir crestada,

diz-lhe que mais que a ti, mais me queimara
o intenso ardor daquela saudade
que a ambos neste estado nos deixara.

Oh! se um benigno influxo de piedade
de seus formosos olhos te orvalhara...
Qual de nós ambos reviver não há-de?

Almeida Garrett

(Luís Neves)

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Fui Sabendo de Mim

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia


pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia


Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

(Filipa)

As Rosas

Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;

Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.

Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio úmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.
Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.
Machado de Assis, in Crisálidas
(Filipa)

terça-feira, 31 de março de 2009

Fado Português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

José Régio (musicado por Alain Oulman, cantado por Amália)

(Mafalda Villani)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Foram cardos, Foram Prosas

Há luz sem lume aceso
Mas sem amar o calor
À flor de um fogo preso
À luz do meu claro amor

Há madressilvas aos pés
E águas lavam o rosto
Dedos que tens em respeito
Oh, meu amante deposto

Não foram poemas nem rosas
Que colheste no meu colo
Foram cardos, foram prosas
Arrancadas do meu solo

Porque tu ainda me queres
O amor que ainda fazemos
Dá-me um sinal se puderes
Sejamos amantes supremos

Será sempre a subir
Ao cimo de ti
Só para te sentir

Será no alto de mim
Que um corpo só
Exalta o seu fim...

letra: Miguel Esteves Cardoso, música: Ricardo Camacho, intérprete: Manuela Moura Guedes (1981) e os "Ritual Tejo" (1992)

(Ana Cortinhas)

domingo, 22 de março de 2009

Sorriso Audível das Folhas


Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

(Ana Paula Madeira)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Recomeça...

Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,

Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga
(Filipa)

quarta-feira, 11 de março de 2009

Confiança

O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...

E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...

Miguel Torga

(Mafalda Villani)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Naquele tempo

Sob o caramachão de glicinia lilaz
As abelhas e eu
Tontas de perfume

Lá no alto as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor rm flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas

Sophia de Mello Breyner Andersen

(Ana Cortinhas)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Da espuma de uma frase

a árvore abriu-te os braços e eu despi-te
o verde como se eu fosse a mão do outono
e dei-te o suco branco da inquietude
e amor como palavra fome

deixa que o verbo rebente
como tu dentro do eu
língua de terra gramática de onda
nascemos da espuma de uma frase

Pedro Sena-Lino

(publicado por Mafalda Villani)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Guardador de Rebanhos - Poema XVII

No meu prato que mistura de Natureza!
As minhas irmãs as plantas,
As companheiras das fontes, as santas
A quem ninguém reza...

E cortam-as e vêm à nossa mesa
E nos hotéis os hóspedes ruidosos,
Que chegam com correias tendo mantas
Pedem "Salada", descuidosos...,
Sem pensar que exigem à Terra-Mãe
A sua frescura e os seus filhos primeiros,
As primeiras verdes palavras que ela tem,
As primeiras cousas vivas e irisantes
Que Noé viu
Quando as águas desceram e o cimo dos montes
Verde e alagado surgiu
E no ar por onde a pomba apareceu
O arco-íris se esbateu...

Alberto Caeiro

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Não mais sob a árvore de Bô

Não mais a pureza de Ramahyana
o incenso e o sândalo
os pés nus nas pedras do templo

enquanto eles comerem na minha mesa
na velha casa de Dili
não mais me sentarei sob arvore de Bô

Jorge Lauten

"Ramahyana - poema épico da Índia antiga que narra as aventuras do rei guerreiro Rama, que terá vivido nos séculos VIII ou VII antes de Cristo. O poeta timorense Jorge Lauten invoca essa mesma época no poema 'Não mais sob a árvore de Bô', e compara a pureza do viver tradicional timorense com a pureza de que fala o Ramahyana."
Sophia de Mello Breyner Andresen

(Ana Cortinhas)

Os Cardos

Ai, que plantaram cardos por suspeita
No meu jardim de rosas de algum dia!
Quem é que azedos em meu vinho deita?
Um triaga tal, quem na engolia?

E o búzio de sonhar, de boca estreita,
Onde a maré da minha infância ardia?
Seu musgo e já verdete. A vida espreita
E arruina tudo o que a nossa alma cria.

Aceitarei os cardos para rosas:
Meu sangue estimulado as dá de si
Como todas as coisas preciosas.

E para o vinho azedo e quente o tenho ali
Para as noites mais frias e saudosas -
Que outro não quero mais, se o já bebi.

Vitorino Nemésio

(Ana Cortinhas)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte

A planície é um brasido e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a benção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!Árvores!

Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Papoilas

Até ao fim do mundo, haverá coisas fascinantes para viver e fazer, coisas que redimirão o instinto, aqui e além, como manchas rubras de papoilas gritando na monotonia amarela de um trigal..."

Álvaro Guerra, Razões do Coração


(Luís Neves, com agradecimento à Tixa)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e o outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indif'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

Ricardo Reis

(Ana Cortinhas)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Nem ver despontar rosas na alvorada

Nem ver despontar rosas na alvorada,
nem lírios um regato a debruar,
nem ramo de ave ou alaúde a soar,
nem gema no seu ouro bem cravada,

nem gargantinha a zéfiros passada,
nem o ranger da nave sobre o mar,
nem ninfa em águas ledas a bailar,
nem ver a tudo a primavera dada,

nem campo armado e em lanças eriçado,
nem antro em verde musgo atapetado,
nem cimos da floresta em suas tranças,

nem rocha onde o silêncio santo nasce,
me alegram mais que o prado onde pasce
este meu esperar sem esperanças.

Vasco Graça Moura in "Alguns Amores de Ronsard"

(Ana Cortinhas)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Menina

Menina de olhar sereno
raiando pela manhã
no seio duro e pequeno
num coletinho de lã.

Menina cheirando a feno
casado com hortelã.
Menina que no caminho
vais pisando formusura
levas nos olhos um ninho
todo em penas de ternura.
Menina de andar de linho
com um ribeiro à cintura.

Menina da saia aos folhos
quem te vê fica lavado
água da sede dos olhos
pão que não foi amassado.

Menina do riso aos molhos
minha seiva de pinheiro
menina da saia aos folhos
alfazema sem canteiro.

Menina de corpo inteiro
com tranças de madrugada
que se levanta primeiro
do que a terra alvoraçada.

Menina de fato novo
ave-maria da terra
rosa brava rosa povo
brisa do alto da serra.

José Carlos Ary dos Santos, musicado por Nuno Nazareth Fernandes e cantado por Tonicha, em 1971 no Eurofestival

(Filipa)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Folhas novas

Fins de fevereiro. Saí para te esperar. Vi folhas novas num arbusto da alameda – isso mesmo, aquele que dá os copos, que à noite cheiram alto – e senti-me rejuvenescido. Voltei para casa e até me esqueci de ver o correio.

Ruy Belo

(Luís Neves)

Epístola para um caramanchão coberto por madressilva

Nesse caramanchão que a madressilva cobriu
sempre estavam mais sombras do que corpos ou coisas.
A sombra de alguém que se sentasse junto aos vasos
estendia a mão nítida para uma flor de sombra.
Dançasse uma criança em volta do pequeno lago
no centro, e havia uma espiral de sombras claras.
Solitário, na própria sombra, o gato era um corpo
penando a dualidade de ser e de não ser.
Até a pá do jardineiro, linha de sombra oblíqua,
por ser de sombra se quebrava em ângulo.
Não porque todos não estivéssemos em vida ali
mas porque a madressilva, só ela, se embebia de luz.

Fiama Hasse Pais Brandão

(Luís Neves)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

procura-se Jacarandá em flor


Quem encontrar algum Jacarandá em flor, comunique tal desvario.




( Fotografia de Pedro Mil-Homens)

UNIVERSITY PARKS

Do céu pende a folhagem.
A miúda angústia a que
de novo apoio os cotovelos
adquire aqui tonalidades de ouro.

Passaram cães que pareciam cabras.
Por entre os vidros
inquietos dos meus óculos, o verde
das folhas tinge o coração.

Nas ervas
que crescem do meu espírito
pequenos animais escondem o focinho.

O mar vem agarrado à luz. As árvores
desafiaram o sol como se nele
tivessem as raízes enterradas

Luís Miguel Nava, Poesia Completa – 1979-1994

( Pedro Mil-Homens)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A propósito da 'Erva Daninha'...

"Só eu sei,
Só eu sei que sou terra,
Terra agrestre por lavrar,
Silvestre monte maninho,
Amora, fruto sem tratar.

Só eu sei que sou pedra,
Sou pedra dura de talhar,
Sou pedrada em aro,
Calhaus em forma de encastrar.

A cotação é o quiserem dar,
Não tenho jeito pra regatear,
Também não sei se a quero aumentar.

Porque eu não sei se me quero polir,
Também não sei se me quero limar,
Também não sei se quero fugir deste animal
Que ando a procurar.

Só eu sei que sou erva,
Erva daninha alastrar,
Joio trovisco, ameaça
Das ervas doces de enjoar.

Só eu sei que sou barro,
Dificil de se moldar,
Argila com cimento e cérebro,
Nem qualquer sabe trabalhar.

Em moldes feitos não me sei criar,
Em formas feitas podem-se quebrar,
Também não sei se me quero formar

Porque eu não se me quero polir,
Também não sei se me quero limar,
Também não se quero fugir deste animal
Que ando a procurar."

António Variações

(Há uns tempos, quando surgiu a ideia de dar um nome a este grupo, surgiu o nome de 'Erva Daninha'. Esta letra veio de imediato à minha cabeça...este foi um dos poemas que não apresentei na tertúlia, há instantes...um bom ano para todos!!!!!)

(João M. Lourenço)

Alberto Caeiro


(fotografia - Pedro-Mil-Homens)

Gozo os Campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas ideias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos –
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma coisa dos ruídos indistintos das coisas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas
órbitas,
E só um resto de vida ouve.

ALBERTO CAEIRO – Poemas Inconjuntivos

( Contributo de Pedro Mil-Homens)