quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Naquele tempo

Sob o caramachão de glicinia lilaz
As abelhas e eu
Tontas de perfume

Lá no alto as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor rm flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas

Sophia de Mello Breyner Andersen

(Ana Cortinhas)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Da espuma de uma frase

a árvore abriu-te os braços e eu despi-te
o verde como se eu fosse a mão do outono
e dei-te o suco branco da inquietude
e amor como palavra fome

deixa que o verbo rebente
como tu dentro do eu
língua de terra gramática de onda
nascemos da espuma de uma frase

Pedro Sena-Lino

(publicado por Mafalda Villani)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Guardador de Rebanhos - Poema XVII

No meu prato que mistura de Natureza!
As minhas irmãs as plantas,
As companheiras das fontes, as santas
A quem ninguém reza...

E cortam-as e vêm à nossa mesa
E nos hotéis os hóspedes ruidosos,
Que chegam com correias tendo mantas
Pedem "Salada", descuidosos...,
Sem pensar que exigem à Terra-Mãe
A sua frescura e os seus filhos primeiros,
As primeiras verdes palavras que ela tem,
As primeiras cousas vivas e irisantes
Que Noé viu
Quando as águas desceram e o cimo dos montes
Verde e alagado surgiu
E no ar por onde a pomba apareceu
O arco-íris se esbateu...

Alberto Caeiro

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Não mais sob a árvore de Bô

Não mais a pureza de Ramahyana
o incenso e o sândalo
os pés nus nas pedras do templo

enquanto eles comerem na minha mesa
na velha casa de Dili
não mais me sentarei sob arvore de Bô

Jorge Lauten

"Ramahyana - poema épico da Índia antiga que narra as aventuras do rei guerreiro Rama, que terá vivido nos séculos VIII ou VII antes de Cristo. O poeta timorense Jorge Lauten invoca essa mesma época no poema 'Não mais sob a árvore de Bô', e compara a pureza do viver tradicional timorense com a pureza de que fala o Ramahyana."
Sophia de Mello Breyner Andresen

(Ana Cortinhas)

Os Cardos

Ai, que plantaram cardos por suspeita
No meu jardim de rosas de algum dia!
Quem é que azedos em meu vinho deita?
Um triaga tal, quem na engolia?

E o búzio de sonhar, de boca estreita,
Onde a maré da minha infância ardia?
Seu musgo e já verdete. A vida espreita
E arruina tudo o que a nossa alma cria.

Aceitarei os cardos para rosas:
Meu sangue estimulado as dá de si
Como todas as coisas preciosas.

E para o vinho azedo e quente o tenho ali
Para as noites mais frias e saudosas -
Que outro não quero mais, se o já bebi.

Vitorino Nemésio

(Ana Cortinhas)